terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Richard Price, Escritor: DEUS É UM NOVELISTA FRUSTRADO

“-E a que horas foi isto?

- Não sei, devia ser mais ou menos à uma.
- E então?
- Então? Levamos cinco minutos dentro, Ike desapareceu com uma garota do bar.
- Onde desapareceu? – perguntou Yolonda.
Eric voltou a fitá-la.
- Por isto se chama desaparecer”.

Diálogos como este fazem parte do novo livro de Richard Price (Nova York, 1949), que na semana passada concedeu entrevista ao jornal El País, da Espanha. O escritor e roteirista americano falou sobre sua nova obra (Vida Vadia – Companhia das Letras – Brasil), além de cinema, literatura e TV.

Pergunta: De onde vem seu talento para o diálogo?
Resposta: Passo tempo com pessoas sobre as quais quero escrever. As escuto falar. Trato de observar como constroem suas frases e como vêem o mundo. Passar tempo nas ruas é a parte do trabalho que eu mais gosto. Não me interessa tanto ir para casa e me pôr a escrever. Mas sim, suponho que é um talento. Como dirigir rápido: ou sabe ou não sabe.

P. Por isto a demora de cinco anos para entregar esta novela?
R. Não tenho tantas idéias. E tenho que trabalhar de roteirista para pagar a luz. Quando ganho o suficiente para passar dois anos escrevendo uma novela, o faço. Agora estou com duas séries para a TV porque não há dinheiro no cinema para minhas histórias.

P. Te interessa a revolução da narrativa televisiva?
R. O cabo mudou tudo. Há liberdade criativa. Me sinto orgulhoso de meu trabalho em The Wire (no Brasil, no cana HBO). Mas era só mais um da linha de montagem. Folgava um episódio e seguia de onde o anterior havia parado. Me parece um pouco hipócrita que agora todo o mundo adore, quando ninguém a via. Nunca lhe deram um prêmio, e veja os que Lost acumula. Eu poderia escrever aqueles roteiros dormindo e com as mãos às costas.

P. Que tem de tão de interessante no bairro Lower East Side (cenário do novo livro)?
R. É sobre o que mais se tem escrito na literatura americana. Sua memória, muito associada à imigração, é apaixonante. Meus avós viveram ali. Mas não queria fazer uma coisa sobre o passado, já lida cem vezes. Quis escrever sobre o que se passa lá agora. Como um dos bairros com memória mais pobre do país se tornou no pátio de recreio de jovens bem nascidos de todas as partes do mundo. É como o velho Montparnasse, só que todo o mundo tira cartão de crédito.

P. Tens simpatia especial pelos seus personagens?
R. É necessário ser complacente com os assassinos. Tem que arrancar-lhes a maldade para destapar o ser humano. E o personagem da policial porto-riquenha me agrada. Uma máquina, consegue fazer acreditar aos piores criminosos que é a mãe ou a irmã que nunca tiveram. Chora com eles. Lhes faz confessar e sai da sala de interrogatórios e diz: “Paf!. Outro pombo no ninho! Para este serão trinta anos ou a perpétua”. É uma psicopata brilhante. O tipo de personagem que mora nas ruas. Deus é um novelista frustrado.

P. Você fez um vídeo para Michel Jackson nos anos 80. O que fazia no dia em que ele morreu?
R. Estava no Harlem, todos choraram e pensei: “Vamos, se era um maldito pederasta!”. Um velho escuro que queria ser uma mulher branca. Santo Deus!

Leia aqui a entrevista no site do El Pais

Nenhum comentário:

Postar um comentário